0.1 Neste início de mês, partamos do princípio de que, em última análise, inspirando-nos na própria Bíblia, existe apenas uma vocação, que é a vocação à santidade: Sede santos, pois eu sou santo, eu, o Senhor, vosso Deus (Lv 19,2). O mesmo Jesus retoma essa proposta, quando afirma: Portanto deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5,48). São Paulo e São Pedro comungam da mesma idéia, ao dizerem: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor (Ef 1,4); Porque está escrito: ‘Sede santos porque eu sou santo’ (1Pd 1,6). Vejam-se também os seguintes textos: Ex 20,30; Lv 11,44; 20,7.26.40; Sb 2,23; Rm 1,7; 1Cor 1,2.
02. Com o passar dos tempos, muitos termos vão se enriquecendo de novos significados. “Vocação”, palavra que na sua origem ou etimologia quer dizer “ato de chamar”, “convite”, “apelo”, “chamado”, biblicamente falando, é proposta de Deus dirigida ao ser humano, esperando dele uma resposta. Entre as diversas vocações bíblicas, citamos as de: Abraão (Gn 12,1); Moisés (Ex 3,10); Isaías (Is 6,8-9); Jeremias (Jr 1,5-7); Ezequiel (Ez 2,3); Maria (Lc 1,30-31); João Batista (Lc 3,2-3); Apóstolos (Lc 6,12-16). Todas elas, igualmente como outras vocações de teor eclesial, têm sentido somente na medida em que estão endereçadas à busca da santidade, visando sobretudo o bem espiritual da comunidade.
03. João Paulo II, na Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis (29.03.1992), define de maneira profunda e rica a vocação sacerdotal: É um específico testemunho do primado do ser sobre o ter, é reconhecimento do sentido da vida como dom livre e responsável de si mesmo aos outros, como disponibilidade para colocar-se inteiramente como sacerdote ao serviço do Evangelho e do Reino de Deus. Face às mutações do termo, hoje se fala em vocações: sacerdotal, religiosa, matrimonial, para os diversos ministérios, como igualmente em vocações no sentido profano da palavra...
A experiência mostra que o surgimento e o desenvolvimento da vocação religioso-sacerdotal nas crianças, nos adolescentes e nos jovens enfrentam dificuldades e solicitações, tais como :
a) o fascínio da chamada “sociedade de consumo”, que leva muitos a verem e a viverem a vida de uma maneira individualista, materialista e hedonista. Para os seguidores deste estilo de vida, o bem-estar materialista impõe-se como único ideal de vida, onde se recusa tudo o que supõe sacrifício e renúncia para se viverem os valores espirituais e religiosos;
b) visão distorcida da sexualidade humana, que faz perder o senso da sua dignidade e da sua beleza como serviço à comunhão e à doação entre as pessoas, reduzindo-se simplesmente a um bem de consumo. Perde-se de vista aquele crescimento harmonioso e alegre da própria personalidade;
c) experiência distorcida da liberdade que, em vez de ser obediência à verdade objetiva e universal, torna-se como que uma adesão cega às forças do instinto e à vontade de poder de cada um.
04. De outro lado, em contraposição a esses sinais negativos, existem também sinais positivos. Esses despertam ou suscitam e alimentam no coração dos adolescentes e dos jovens uma nova disponibilidade, isto é, uma procura verdadeira e própria de valores éticos e espirituais que, pela sua natureza, oferecem o terreno propício para o itinerário vocacional em vista do dom total de si a Cristo e à Igreja na vida religioso-sacerdotal. As muitas experiências de voluntariado, hoje em dia, são altamente educativas neste sentido, tornando-se indícios de vocação... Nosso pai espiritual S. Francisco de Assis é modelo de uma vocação doação-serviço, plena de generosidade.
05. Um dos encontros marcantes na caminhada vocacional de S. Francisco foi, sem dúvida, o apelo do Crucificado de São Damião, assim descrito pelo seu primeiro e grande biógrafo, Frei Tomás de Celano: Já transformado no coração, devendo em breve transformar-se totalmente no corpo, num certo dia anda perto da igreja de São Damião. Conduzindo-o o espírito, ao entrar para rezar, prosternando-se suplicante e devoto diante do Crucificado e tocado por visitações insólitas, sente-se diferente do que entrara. Imediatamente a imagem de Cristo crucificado, movendo os lábios da pintura, o que é inaudito desde séculos, fala-lhe, enquanto ele está comovido. Chamando-o, pois, pelo nome, diz: ‘Francisco, vai e restaura minha casa que, como vês, está toda destruída’ (2Cel 10,1-4).
Frei José Soares da Silva, Ofmcap. (Org.)
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